O talk show que levou presos direto do camburão para o estúdio

O Homem do Sapato Branco
Imagem: Divulgação

*Aviso de transparência:* este artigo contém links de afiliado. Se você comprar através deles, podemos receber uma pequena comissão, sem custo extra para você.

As luzes se apagavam, o estúdio mergulhava numa névoa teatral e só o brilho de um par de sapatos imaculados quebrava a escuridão.

Assim nascia O Homem do Sapato Branco, programa que injetou adrenalina e realidade crua na televisão brasileira ao expor conflitos familiares, cirurgias e suspeitos de crimes, tudo ao vivo, sem filtros.

Vídeo: Canal Rádio Época

Do rádio ao pioneirismo sensacionalista

Jacinto Figueira Júnior, nascido em 1927 em São Paulo, já era cantor country e radialista antes de migrar para a TV em 1963 com Fato em Foco na TV Cultura.

Três anos depois criou o formato que lhe daria o apelido definitivo e, em 31 de agosto de 1968, ele estreou na Rede Globo com uma hora de duração aos sábados à noite.

O apresentador definia o programa como um “consultório popular”: audiência nacional, perguntas diretas, moralismo conservador e, claro, a câmera focada nos sapatos brancos, símbolo que evocava médicos e “gente que deseja o bem”, segundo o próprio Jacinto.

Bastidores polêmicos e censura militar

A atração mergulhou no chamado mundo cão, expressão cunhada pelo apresentador, ao exibir flagrantes de violência urbana, cirurgias e ritos religiosos considerados exóticos.

O estardalhaço incomodou a Censura Federal; em março de 1969 a primeira temporada foi retirada do ar, apesar do pico de audiência que colocara a Globo no topo das noites paulistas.

Entre os episódios mais comentados está a distribuição de brinquedos prometida para o Natal de 1968: cerca de 50 mil pessoas cercaram a sede da emissora na capital paulista, provocando tumulto e reforçando a aura de perigo que envolvia a figura do apresentador.

Estrutura de palco: camburão, presos e plateia em choque

O que diferenciava o programa? A produção mantinha acordo com delegacias paulistas: suspeitos de pequenos delitos eram levados direto do camburão para o palco, algemados, onde respondiam a perguntas inquisitivas diante da plateia.

Era jornalismo misturado a espetáculo, feito para chocar e fidelizar o público.

Não faltavam quadros inventivos, e por vezes questionáveis. Havia encenações de brigas familiares, cirurgias transmitidas sem cortes e o polêmico “Pronto-Socorro Sexual”, quadro em que um sexólogo tirava dúvidas da audiência ao vivo nos anos 80.

A volta triunfal no SBT e passagens por outras emissoras

Após um hiato forçado pela censura, Jacinto ressuscitou o formato no recém-fundado SBT em 1981, ocupando o estúdio 2 do Teatro Silvio Santos na Vila Guilherme.

A segunda fase ficou no ar até 1983 e consolidou o tom popular da emissora, ao lado de Povo na TV e Moacyr Franco Show.

Entre as reapresentações, O Homem do Sapato Branco também passou por Band e Record, mantendo essência policialesca mesmo com sutis ajustes de horário e duração.

A influência direta pode ser rastreada em formatos como Aqui Agora (no qual Jacinto reapareceu em 1991), Cidade Alerta e Brasil Urgente.

Elenco, direção e ficha técnica

  • Apresentação: Jacinto Figueira Júnior
  • Produção original: Kleber Iório
  • Período Globo: 31/08/1968 – 29/03/1969 (1 temporada, sábados 22 h/23 h)
  • Período SBT: 1981 – 1983 (2 temporadas, segundas 22 h)
  • Canais brasileiros: TV Cultura (piloto), TV Globo, SBT, Band, Record
  • Quadros notáveis: “Flagrante ao Vivo”, “Pronto-Socorro Sexual”, júri popular improvisado

Entre os colaboradores frequentes estavam repórteres de rua, policiais convidados e, na fase SBT, o sexólogo Dr. Odair Manso, que comentava dúvidas dos telespectadores ao vivo.

Curiosidades que valem replay

  • A expressão “mundo cão” se popularizou depois de Jacinto exibir imagens de brigas de rua acompanhadas de música dramática.
  • Houve transmissão de uma operação de vesícula para provar “a frieza científica da TV”, segundo propaganda de 1968.
  • Uma plateia chegou a implorar para sair quando um suspeito entrou algemado após ser capturado minutos antes.
  • O sapato branco era importado da Itália; Jacinto encomendava pelo menos três pares por temporada para garantir brilho constante em close-ups.

Onde assistir hoje

Não há streaming oficial, mas trechos restaurados pelo projeto #TBTSBT e uploads no YouTube preservam entrevistas completas, inclusive a famosa edição em que um suspeito confessa furto ao vivo.

Documentários recentes, como o episódio do YouTube Empauta e o livro-reportagem de Maurício Stycer, recontam bastidores, contextualizando o impacto cultural que o formato exerceu sobre programas policiais modernos.

Outros trabalhos de Jacinto Figueira Júnior

Além de comandar O Homem do Sapato Branco, Jacinto:

  • Repaginou o quadro “Repórter do Absurdo” no Aqui Agora (SBT, 1991-1997).
  • Atuou como deputado estadual pelo MDB em 1966, tendo mandato cassado em 1969.
  • Iniciou carreira artística como vocalista de “Júnior e Seus Cowboys” na década de 1950.

O Homem do Sapato Branco na memória da TV

A ousadia editorial do programa permanece única. Foi ali que o país viu, em tempo real, suspeitos sendo inquiridos pela primeira vez diante das câmeras, inaugurando um estilo híbrido de jornalismo, entretenimento e tribunal popular.

Aquela lente sem pudor moldou tanto a programação noturna dos anos 60 quanto o sensacionalismo contemporâneo.

Ao olhar para trás, percebe-se que O Homem do Sapato Branco espelhou medos coletivos e ofereceu catarse televisiva para uma população que raramente se via representada.

A técnica era simples, mas o impacto, poderoso o suficiente para desafiar censores e redefinir padrões de audiência, ainda ecoa nos palcos digitais de hoje.

Por fim, O Homem do Sapato Branco continua sendo caso de estudo obrigatório para quem pesquisa mídia, política e cultura popular.

Seu legado polêmico prova que os limites éticos da TV brasileira foram forjados à base de sapatos brilhando sob holofotes, um símbolo tão marcante quanto as histórias que ele ajudou a contar.

*Aviso de transparência:* este artigo contém links de afiliado. Se você comprar através deles, podemos receber uma pequena comissão, sem custo extra para você.


Foto de Augusto Tavares

Augusto Tavares

Me chamo Augusto Tavares, sou formado em Marketing e apaixonado pelo universo dos programas de TV que marcaram época. Como autor trago minha experiência em estratégia de comunicação e criação de conteúdo para escrever artigos que reúnem nostalgia e informação. Meu objetivo é despertar memórias afetivas nos leitores, mostrando como a era de ouro da televisão ainda influencia tendências e comportamentos nos dias de hoje.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

plugins premium WordPress